Mitos sobre o risco
Segue-se uma lista de afirmações sobre o risco de testemunhar a pessoas em situações de alto risco. Muitas destas afirmações são repetidas como se fossem baseadas na fé e se encontrassem na Bíblia, mas a forma, o momento e o tom em que são proferidas fazem com que, normalmente, não sejam verdadeiras e sejam inúteis e até desencorajadoras. Ao caminharmos repetidamente em situações perigosas, ao ouvirmos a Igreja global, ouvimos 12 mitos de risco.
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DEZ MITOS PREJUDICIAIS SOBRE O RISCO
Nós identificamos dez riscos prejudiciais que costumam ser ditos aos servos que estão pensando em avançar para ambientes perigosos em resposta aos seus chamados. Estes são os dez mitos e suas explicações.
Mito nº 1 sobre o risco: “Você nunca está mais seguro do que quando está no centro da vontade de Deus”.
Em um mundo repleto de normas de segurança e coberturas de seguros, é preciso definir o que é segurança com relação ao risco. A Bíblia está cheia de histórias de homens e mulheres que morreram de forma horrível, embora estivessem no centro da vontade de Deus (Hebreus 11:35-40).
Se segurança significa ser salvo do inferno eterno, podemos dizer que estamos salvos e na vontade de Deus quando escolhemos seguir Cristo como Senhor (João 17:3). Entretanto, não acho que seja nisso que as pessoas pensam quando esse mito é repetido como incentivo a obreiros interculturais.
Isso é dito regularmente com uma implicação: “Se estou na vontade de Deus, então nada de mau acontecerá comigo”. Essa sugestão parece dizer que a vontade de Deus é um lugar na terra onde somos livres das tragédias humanas normais.
Mito nº 2 sobre o risco: “O sangue dos mártires é a semente da igreja”.
Essa frase tem sido repetida ao longo da história da igreja de muitas maneiras diferentes. Afirmações do tipo “A perseguição sempre produz crescimento na igreja” e “A perseguição costuma fazer com que a igreja seja purificada e os crentes se aproximem mais de Deus” nem sempre são historicamente verdadeiras.
É comum ver João 12:24 sendo usado para demonstrar o fruto resultante do martírio. Entretanto, o que Jesus estava ensinando nessa passagem, usando a ideia de um grão de trigo caindo na terra e morrendo, estava relacionado à Sua morte e ressurreição iminentes. Ele tinha que morrer para derrotar a morte e Satanás e nos redimir do império das trevas.
O ensino de Jesus não era um requisito obrigatório para o crescimento da igreja; era um requisito obrigatório para a nossa salvação.
Mito nº 3 sobre o risco: “Você deve estar acumulando todo tipo de recompensas por causa dos riscos que está correndo”.
Este mito requer um estudo bíblico cuidadoso para alcançar um entendimento mais claro das recompensas eternas que estão baseadas nos comportamentos terrenos e nas suas aplicações ao risco e ao sofrimento.
De fato, ansiamos pela justiça do Pai e pelo reconhecimento do que fizemos em Seu nome. Contudo, quando alguém profere esse mito do risco, o foco geralmente está no que vamos receber, não em viver em fidelidade e glorificar ao Senhor em qualquer situação na qual Ele tenha nos colocado. Isso denota uma teologia da “compensação”: é um mito orientado para o ego.
Essa é uma filosofia religiosa pagã do Antigo Oriente Próximo que significa que quando eu dou a coisa certa e a quantidade certa ao ídolo, posso esperar uma certa quantidade como retorno. Na realidade, entretanto, esse é um antigo evangelho da prosperidade que diz: “Colocamos determinada quantia e podemos esperar determinado pagamento de volta”.
Mito nº 4 sobre o risco: “É só manter uma atitude mental positiva, que tudo fica bem”.
Este mito se baseia em uma visão de mundo conhecida como “positivismo”. O positivismo cristão muitas vezes é interpretado como fé, disfarçado na “linguagem espiritual” como “basta ter fé”. Entretanto, o positivismo tem sido incrivelmente destrutivo à vitalidade do corpo de Cristo. É a ideia de que os problemas e tribulações na vida das pessoas são resultado da falta de fé.
O positivismo também resulta em falta de planejamento e de atenção à mordomia de recursos do reino guiada pelo Espírito.
No caso de uma situação de alto risco, especialmente as prolongadas, existem inúmeros fatores fora do controle da pessoa. A realidade é que muitas vezes, apesar da atitude da pessoa (seja qual for), nem tudo vai ficar bem... dependendo da definição que a pessoa tem de “bem”.
Mito nº 5 sobre o risco: “Não estamos nos arriscando de verdade, estamos?”.
Sim, ouvimos isso também. O que esse obreiro intercultural veterano estava querendo dizer era que não arriscamos nossas vidas porque temos plena confiança de que, se formos mortos pela causa de Cristo, no final receberemos o céu. A lógica dele era de que, já que o que ganhamos é muito melhor do que o que perdemos, perder um braço ou a vida aqui na terra é irrelevante e parece nem ser risco algum quando estamos no céu; portanto, não corremos nenhum risco.
Esse mito é classificado como uma percepção do risco como “não risco”, baseada em um pensamento superespiritualizado e falho. O perigo dessa visão é que ela não conduzirá a uma avaliação de risco holística baseada em princípios bíblicos de mordomia. Escolher dizer que a obra intercultural não é um risco faz a pessoa nem sequer avaliar o risco. Isso é chamado de “analfabetismo do risco” (incapacidade de compreender e de lidar com o risco) e é oposto de ser expert em risco (precisão, perspicácia e sabedoria). Ignorar ou negar o risco por completo simplesmente não é boa mordomia.
Mito nº 6 sobre o risco: “Já calculamos o custo”.
Este mito presume que “calcular o risco” é meramente um evento pontual que ocorre antes de se entrar em um ambiente perigoso. Ele presume que todos definem “calcular o risco” da mesma maneira. Muitos pulam direto para “morrer por Cristo” como o “custo” que tem que ser pago. Entretanto, muitas vezes se subestima o viver para Cristo em uma situação de alto risco pela contínua reavaliação do que e de quem estão sendo arriscados.
Essa declaração pode ser usada para implicar que as estratégias para intervenção no risco e para aversão a perdas não são necessárias. Ela implica que, se já calculamos o risco, devemos deixar as coisas acontecerem naturalmente. Atentar para o ambiente de segurança instável e realizar análise de risco em tempo real são desnecessários para aqueles que seguem esse mito.
Mito nº 7 sobre o risco: “A fé é proporcional ao tamanho do risco”.
Em outras palavras, quando arriscamos muito, isso deve significar que temos muita fé. Do mesmo modo, quando arriscamos pouco (quando o perigo é pouco para nós ou para a nossa propriedade), então isso deve significar que não temos muita fé. Esse mito usa o risco como uma maneira de definir a fé.
As pessoas que confiam nesse mito podem estar motivadas a se envolver em comportamentos arriscados como uma maneira de validar a força ou de quantificar a extensão da sua fé.
Mito nº 8 sobre o risco: “Se algo ruim acontece, é porque eu não orei, não trabalhei ou não me preparei o suficiente”.
Se algo ruim acontece como resultado de aceitar um risco, isso deve significar que não houve muita oração envolvida, ou que o trabalho não foi feito com excelência, ou que a preparação não foi rigorosa o suficiente, ou... já deu para entender a ideia. Essa é uma visão sutil, baseada em obras.
Mito nº 9 sobre o risco: “Sofrer por Cristo enquanto cumpro o meu ‘chamado’ intercultural sempre glorifica a Deus”.
Vivenciar sofrimento ou perseguição como resultado de permanecer em uma situação de risco pode causar boa impressão aos outros, mas Deus conhece a realidade do que está acontecendo.
Talvez esse mito sobre o risco não esteja em primeiro plano na perspectiva de alguém ao entrar no risco. Contudo, pode ser nele que as pessoas caem quando fazem uma retrospectiva para racionalizar o resultado negativo de um risco. Ele costuma ser muito usado como um lugar-comum para conciliar o sofrimento vivenciado no risco.
Mito nº 10 sobre o risco: “Ignorar o seu medo demonstra fidelidade verdadeira”.
É muito frequente que os pregadores reduzam a nossa resposta ao medo a simplesmente: “não tenha medo”, como se o medo fosse alguma coisa que a pessoa pudesse simplesmente “desligar”.
É verdade, a Bíblia nos ensina repetidamente a não andar em medo. Mas ter medo é ser humano. O medo não é anormal, nem inerentemente pecaminoso. Raramente a Bíblia repreende, reprova ou julga os seguidores de Deus por ter medo. O modo como o discípulo lida com o medo é que demonstra a sua fé.